Gente muito evoluída (mas só na cabeça dela)
- Karen Faria
- 15 de jul.
- 3 min de leitura

Tem julgamentos que não são ditos, são encenados. Você entra num ambiente e a conversa muda de tom. Os olhares não são diretos, mas parecem te atravessar. Você comenta alguma coisa simples, cotidiana, e a resposta vem cheia de referências, citações e uma entonação quase didática. Eles não te humilham. Eles só “sabem mais”. São mais conscientes, mais cultos, mais evoluídos. E você, no fundo, começa a se sentir deslocada, boba ou inferior, mesmo sem ninguém ter dito isso com todas as letras. O mais curioso? É que eles acreditam estar apenas sendo quem são. Mas ser quem são, pra eles, parece exigir que você se sinta menor. Cada silêncio é um veredito. Suas roupas? Comuns demais. Seus gostos? Simples demais. Seu jeito de falar? Muito óbvio. E o mais curioso é que você não fez nada. Só existe.
Eles são aquele tipo de gente que se orgulha de ser diferente. Que consome o “fora do mainstream”, que se acha superior porque ouve bandas alternativas, lê autores que ninguém mais conhece, vive como se estivesse dois passos à frente da sociedade (inclusive de você). Mas o problema não é o gosto deles. É o uso que fazem dele. Eles transformam preferências pessoais em passaporte pra arrogância. Em critério pra desumanizar quem é diferente. Você nunca será cool o bastante. Nunca saberá citar a teoria certa. Nunca vai parecer profunda o suficiente. E isso basta pra te olharem com um tom superior.
A psicanálise entende essa necessidade de se colocar acima como uma defesa narcisista. Pessoas que não suportam conviver com o próprio vazio criam versões idealizadas de si mesmas, e precisam que o outro ocupe o papel de alguém “menos”… Menos inteligente e menos “desconstruído”. Em muitos casos, o que incomoda nelas não é você, é o que sua presença ameaça desmontar nelas. Talvez você seja espontânea onde elas são calculadas. Talvez você tenha vínculos reais onde elas só mantêm aparências. Talvez você esteja confortável sendo quem é (e isso, pra elas é inaceitável). Quem precisa se sentir melhor do que o outro o tempo todo geralmente está, inconscientemente, tentando fugir da própria mediocridade, não da mediocridade real mas daquela fantasia que o ego não suporta: a ideia de ser comum. E aí surge a necessidade de se afirmar o tempo inteiro. De se vestir “de um jeito único”, de consumir “conteúdos difíceis”, de recusar o que é acessível, popular, simples. Na tentativa de fugir do vazio, se agarram a uma identidade construída pela negação: “eu não sou como os outros”, ou seja: pra continuar acreditando que são especiais, precisam de alguém que simbolize o oposto.
O mais irônico é que essas pessoas se acreditam evoluídas demais pra julgar. Mas estão sempre julgando. Posam de empáticos, mas nunca se esforçam pra te conhecer de verdade. No fundo, ser você mesma já é ofensivo pra quem construiu toda a autoestima tentando não ser como você. E o pior? Muitas vezes você começa a se perguntar se o problema é você: Se devia falar menos, se devia gostar de outras coisas, se devia “evoluir”. Mas essa dúvida, essa culpa, essa sensação de inadequação… é só mais uma forma de controle. Porque no fim das contas, o que realmente incomoda essas pessoas é ver alguém que não precisa performar profundidade pra ter valor: não precisa ler os livros certos, ouvir as bandas certas, fazer os comentários certos pra existir. E que, mesmo sendo simples, acessível, leve continua sendo suficiente. Ser você mesma não é pouca coisa (principalmente num mundo onde tanta gente vive atuando em prol de conseguir um mero elogio pra inflar o ego).
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