Família do parceiro: quando eles não gostam de mim, mas me querem por perto
- Karen Faria
- 9 de jul.
- 2 min de leitura

Você já se sentiu invisível numa sala cheia de gente que sorri pra você? Já ouviu um “fica pra jantar” que soava como um convite por obrigação do que um convite sincero? Há relações em que a presença é exigida, mas nunca desejada, e isso fere de um jeito silencioso. Do ponto de vista psicanalítico, esse tipo de ambiguidade pode estar relacionado ao narcisismo familiar. Muitas famílias constroem, ao longo dos anos, uma imagem idealizada de si mesmas, uma fantasia coletiva de união, controle e “bom gosto” que todos devem reforçar. Quando uma nova figura entra nesse círculo, ela representa uma ameaça ao equilíbrio imaginário. A rejeição, nesse caso, não é (apenas) sobre quem você é, mas sobre o que você desestabiliza: o mito da família perfeita. Só que te afastar completamente pode gerar conflito com o filho ou causar tensão. Então, te mantêm por perto mas com funções específicas: cuidar, escutar, demonstrar. Você se torna, inconscientemente, uma extensão útil, mas não uma integrante que faz parte de fato daquela família.
Em muitos casos, a figura da “boa moça” é projetada sobre a namorada como uma tentativa de controle simbólico. Você deve ser calma, prestativa, paciente, uma versão agradável e feminina. Se você for “rebelde” demais, “opinativa” demais, “livre” demais, automaticamente ameaça a ordem simbólica da casa. Mas se você se encaixa nesse papel de cuidadora, você é tolerada. É o famoso “ela é legal, mas…”. Na prática, isso se traduz em convites que não são escolhas, em favores esperados sem gratidão, em conselhos pedidos sem real abertura. Você é, ao mesmo tempo, necessária e descartável. Presente, mas nunca pertencente. A psicanálise entende que vínculos também podem ser marcados por interesse narcísico. A família, ao te manter por perto, alimenta a autoimagem de que é acolhedora, respeitosa, civilizada. Você vira um ornamento social: uma forma de mostrar ao mundo que “aceitam a escolha do filho”, mesmo que, internamente, estejam em guerra contra ela. Nesse cenário, o amor deixa de ser vínculo e passa a ser performance. E você, muitas vezes, entra em conflito interno: “Será que estou sendo ingrata?”, “Talvez eu esteja exagerando”. Mas não está. O incômodo que você sente é real: ele nasce da contradição entre o que te dizem e o que te demonstram. E quanto mais você tenta agradar, mais eles reforçam que a sua presença é descartável. Quanto mais você se adequar, mais eles irão te culpar por conflitos que não são seus (e vão fazer você resolvê-los sozinha).
A saída não está necessariamente no confronto direto, mas em reconhecer a ambiguidade e parar de se moldar para agradar. Ser escolhida por um parceiro não significa ser automaticamente escolhida pela família dele, e tá tudo bem. O importante é que você não se perca tentando ocupar um espaço que no fundo, nunca foi realmente aberto pra você. (E sinceramente, se não abriu no início, dificilmente abrirá em algum momento). O melhor a se fazer é sair desse papel que eles idealizam e atribuem para você.
De quem é o desejo que você está tentando atender? O seu, ou o deles?
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